JUIZ: Vamos às outras partes.
ESCRIVÃO (lendo): Diz João de Sampaio que, sendo ele
“senhor absoluto de um leitão que teve a porca mais
velha da casa, aconteceu que o dito acima referido
leitão furasse a cerca do Sr. Tomás pela parte de trás,
e com a sem-cerimônia que tem todo o porco, fossas-
se! a horta do mesmo senhor. Vou a respeito de dizer,
Sr. Juiz, que o leitão, carece agora advertir, não
tem culpa, porque nunca vi um porco pensar como
um cão, que é outra qualidade de alimária2 e que
pensa às vezes como um homem. Para V. Sa. não
pensar que minto, lhe conto uma história: a mi-
nha cadela Troia, aquela mesma que escapou de
morder a V. Sa. naquela noite, depois que lhe dei
uma tunda? nunca mais comeu na cuia com os
pequenos. Mas vou a respeito de dizer que o Sr. Tomás
não tem razão em querer ficar com o leitão só porque
comeu três ou quatro cabeças de nabo. Assim, peço a
V. Sa. que mande entregar-me o leitão. E.R.M.”
JUIZ: É verdade, Sr. Tomás, o que o Sr. Sampaio diz?
TOMÁS: É verdade que o leitão era dele, porém agora é
meu.
SAMPAIO: Mas se era meu, e o senhor nem mo comprou,
nem eu lho dei, como pode ser seu?
TOMAS: E meu, tenho dito.
SAMPAIO: Pois não é, nao senhor. (agarram ambos no
leitão e puxam, cada um para sua banda)
JUIZ (levantando-se): Larguem o pobre animal, não o
matem!
(Comédias (1833-1844), 2007.)
1 fossar: revolver ou escavar com o focinho.
2 alimária: qualquer animal, especialmente quadrupede.
3 tunda: surra.
Na passagem, João de Sampaio
(A) alega que Tomás invadiu a sua horta e se apossou de
seu leitão.
(B) relata que sua cadela escapou e mordeu o leitão de
Tomás.
(C) conta que sua porca mais velha se comporta como
um cão e pensa como um homem.
(D) alega que seu leitão não pode ser responsabilizado
pela indisciplina de sua cadela.
(E) relata que seu leitão invadiu a horta de Tomás e
devorou alguns nabos.