O excerto abaixo é retirado de Ponciá Vicêncio,
de Conceição Evaristo. Considere-o, no
contexto do enredo do romance.
Ponciá Vicêncio gostava de ficar sentada perto
da janela olhando o nada. As vezes, se distraia
tanto que até se esquecia da janta e, quando
via, o seu homem estava chegando do
trabalho. Ela gastava todo o tempo com o
pensar, com o recordar. Relembrava a vida
passada, pensava no presente, mas não
sonhava e nem inventava nada para o futuro.
O amanhã de Ponciá era feito de
esquecimento. Em tempos outros, havia
sonhado tanto! Quando mais nova, sonhara
até um novo nome para si. Não gostava
daquele que lhe deram. Menina, tinha o hábito
de ir para a beira do rio e lá, se mirando nas
águas, gritava o seu próprio nome. Ponciá
Vicêncio! Ponciá Vicêncio! Sentia-se como se
estivesse chamando outra pessoa. Não ouvia
seu nome responder dentro de si. Inventava
outros. Pandá, Malenga, Quieti; nenhum lhe
pertencia também. Ela, inominada, tremendo
de medo, temia a brincadeira, mas insistia. A
cabeça rodava no vazio, ela vazia se sentia sem
nome. Sentia-se ninguém. Tinha então
vontades de choros e risos.
Assinale a alternativa correta sobre o excerto.
(A) A voz narrativa em terceira pessoa
descreve Ponciá Vicêncio a partir de uma
focalização onisciente, que não permite
entrar no universo psicológico da
personagem.
(B) Ponciá Vicêncio assim era chamada porque
herdara o nome de seu avô Vicêncio, com
quem tinha grande semelhança física.
(C) A frase “O amanhã de Ponciá era feito de
esquecimento” diz respeito à perda de
memória da personagem, devido a
traumas provocados por separações
familiares, maus-tratos e trabalho escravo
na fazenda.
(D) O vazio sentido por Ponciá no início da
narrativa é preenchido quando sua mãe e
seu irmão Luandi deixam a fazenda e vão
se encontrar com ela na cidade.
(E) A atitude da personagem de ficar parada
na janela olhando para o nada está
associada ao tempo da memória, ao
trabalho de “acordar-se para dentro”.