O leitor brasileiro que porventura entrar em contato com a arte de Guimaraes
Rosa através de Primeiras Estórias inevitavelmente haverá de experimentar
um choque, devido à agressiva novidade de estilo, à qual os leitores antigos do
autor se vêm habituando progressivamente (falamos no leitor brasileiro, porque
o estrangeiro, que a conhecer através da tradução, terá forçosamente sob os
olhos um texto atenuado e filtrado, adaptado pelo tradutor aos padrões
existentes da língua acolhedora).
Lembre-se de que o autor fez sua aparição na literatura como escritor
regionalista. Não adotara, porém, nenhuma das três técnicas à disposição do
regionalismo: servir-se da linguagem regional indistintamente em todo o livro,
restringila à fala das personagens, ou substituí-la integralmente por uma
linguagem literária, convencional. A quaria solução, adotada por ele, consistia
em deixar as formas, rodeios e processos da língua popular infiltrarem o estilo
expositivo e as da língua elaborada embeber a linguagem dos figurantes. Disse
lingua elaborada e não culta: Guimarães Rosa, conhecedor dos mais
profundos do idioma, não se satisfaz em explorar-lhe todo o tesouro registrado
e codificado, mas submete-o a uma experimentação incessante, para testar-lhe
flexibilidade. Daí um estilo personalissimo, que das obras de caráter
regionalístico se alastrou por toda obra de ficção de nosso autor, e até por suas
raras produções ensaísticas. [...]
RÓNAI, Paulo. Os vastos espaços. In: ROSA, João Guimarães. Primeiras Estórias. 4º ed., Rio de
Janeiro: José Olympio, 1968, p. XI-XII. (Fragmento)
De acordo com o texto, assinale a alternativa INCORRETA.
Em: *...não se satisfaz em explorar-lhe todo o tesouro registrado e codificado, mas
submete-o a uma experimentação incessante...”, na expressão em negrito, Rónai está
se referindo ao emprego dos vocábulos da língua dicionarizados.
Deduz-se do excerto que a obra de Guimarães requer uma leitura mais atenta, em
virtude da atualização de variedades linguísticas socialmente estigmatizadas.
Ao frisar que Guimarães empregava “lingua elaborada e não culta”, Rónai corrobora a
máxima do choque estilístico que as obras de Guimarães suscitam.
O segmento parentético no primeiro parágrafo é uma forma de encaixamento que,
todavia, não compromete o fluxo da exposição.