Mal secreto
Se a cólera que espuma, a dor que mora
N'alma, e destrói cada ilusão que nasce,
Tudo o que punge, tudo o que devora
O coração, no rósto se estampasse;
Se se pudesse, o espírito que chora,
Ver através da máscara da face,
Quanta gente, talvez, que inveja agora
Nos causa, então piedade nos causasse!
Quanta gente que ri, talvez, consigo
Guarda um atroz, recôndito inimigo,
Como invisível chaga cancerosa!
Quanta gente que ri, talvez existe,
Cuja ventura única consiste
Em parecer aos outros venturosa!
CORREIA, RI PATRIOTA, M Para compreender Raimundo Correia Brasa: Aemera 1865.
Coerente com a proposta parnasiana de cuidado formal
e racionalidade na condução temática, o soneto de
Raimundo Correia reflete sobre a forma como as emoções
do indivíduo são julgadas em sociedade. Na concepção
do eu lírico, esse julgamento revela que
OQ a necessidade de ser socialmente aceito leva o
indivíduo a agir de forma dissimulada.
O o sofrimento íntimo torna-se mais ameno quando
compartilhado por um grupo social,
O a capacidade de perdoar e aceitar as diferenças
neutraliza o sentimento de inveja.
O o instinto de solidariedade conduz o indivíduo a
e
apiedar-se do próximo.
a transfiguração da angústia em alegria é um artifício
nocivo ao convívio social.