A partida
Acordei pela madrugada. A princípio com
tranquilidade, e logo com obstinação, quis novamente
dormir. Inútil, o sono esgotara-se. Com precaução,
acendi um fósforo: passava das três. Restava-me,
portanto, menos de duas horas, pois o trem chegaria
às cinco. Veio-me então o desejo de não passar mais
nem uma hora naquela casa. Partir, sem dizer nada,
deixar quanto antes minhas cadeias de disciplina e de
amor.
Com receio de fazer barulho, dirigime à
cozinha, lavei o rosto, os dentes, penteeime e,
voltando ao meu quarto, vesti-me. Calcei os sapatos,
sentei-me um instante à beira da cama. Minha avó
continuava dormindo. Deveria fugir ou falar com ela?
Ora, algumas palavras... Que me custava acordá-la,
dizer-lhe adeus?
LINS, O. A parda. Molhoros contos. Seleção e prefácio de.
“Sandra Nini. São Paulo: Global, 2003
No texto, o personagem narrador, na iminência da partida,
descreve a sua hesitação em separar-se da avó. Esse
sentimento contraditório fica claramente expresso no
trecho:
e
e
“A princípio com tranquilidade, e logo com obstinação,
quis novamente dormir” (€. 1-3).
“Restava-me, portanto, menos de duas horas, pois o
trem chegaria às cinco” (€. 4-6).
“Calcei os sapatos, sentei-me um instante à beira da
cama” (t. 12-13)
“Partir, sem dizer nada, deixar quanto antes minhas
cadeias de disciplina e amor” (€. 7-9)
“Deveria fugir ou falar com ela? Ora, algumas
palavras...” (€. 14-15).