Quem é pobre, pouco se apega, é um giro-o-giro no
vago dos gerais, que nem os pássaros de rios e lagoas. O
senhor vê: o Zé-Zim, o melhor meeiro meu aqui, risonho
e habilidoso. Pergunto: — Zé-Zim, por que é que você
não cria galinhas-d'angola, como todo o mundo faz? —
Quero criar nada não... — me deu resposta: — Eu gosto
muito de mudar... [...] Belo um dia, ele tora. Ninguém
discrepa. Eu, tantas, mesmo digo. Eu dou proteção.
[...] Essa não faltou também à minha mãe, quando eu
era menino, no sertãozinho de minha terra. [...] Gente
melhor do lugar eram todos dessa família Guedes,
ão Guedes; quando saíram de lá, nos trouxeram
junto, minha mãe e eu. Ficamos existindo em território
baixio da Sirga, da outra banda, ali onde o de-Janeiro vai
no São Francisco, o senhor sabe.
ROSA, J. G. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: José Olympio (fragmento).
Na passagem citada, Riobaldo expõe uma situação
decorrente de uma desigualdade social típica das áreas
rurais brasileiras marcadas pela concentração de terras
e pela relação de dependência entre agregados e
fazendeiros. No texto, destaca-se essa relação porque
o personagem-narrador
OQ relata a seu interlocutor a história de Zé-Zim,
demonstrando sua pouca disposição em ajudar seus
agregados, uma vez que superou essa condição
graças à sua força de trabalho.
O descreve o processo de transformação de um meeiro
— espécie de agregado — em proprietário de terra.
O denuncia a falta de compromisso e a desocupação
dos moradores, que pouco se envolvem no trabalho
da terra.
O mostra como a condição material da vida do
sertanejo é dificultada pela sua dupla condição de
homem livre e, ao mesmo tempo, dependente.
Q mantém o distanciamento narrativo condizente com
sua posição social, de proprietário de terras.