Negrinha
Negiinha era uma pobre órfá de sete anos. Preta? Não; fusca,
mulatinha escura, de cabelos ruços e olhos assustados.
Nascera na senzala, de mãe escrava, e seus primeiros
anos vivera-os pelos cantos escuros da cozinha, sobre
velha esteira e trapos imundos. Sempre escondida, que
a patroa não gostava de crianças.
Excelente senhora, a patroa. Gorda, rica, dona do
mundo, amimada dos padres, com lugar certo na igreja
e camarote de luxo reservado no céu. Entaladas as
banhas no trono (uma cadeira de balanço na sala de
jantar), alibordava, recebia as amigas e o vigário, dando
audiências, discutindo o tempo. Uma virtuosa senhora
em suma — “dama de grandes virtudes apostólicas,
esteio da religião e da morar”, dizia o reverendo.
Ótima, a dona Inácia.
Mas não admitia choro de criança. Ai! Punhahe os
nervos em came viva.
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À excelente dona Inácia era mestra na arte de judiar de
crianças. Vinha da escravidão, fora senhora de escravos
— e daquelas ferozes, amigas de ouvir cantar o bolo e
estalar o bacalhau. Nunca se afizera ao regime novo —
essa indecência de negro igual.
LOBATO, M. Nogriha ln: MORICONE, 1. Os cem mehores contos brasileiros do século.
“Ro de Jgnoro: Obeiva, 2000 (agineno)
A narrativa focaliza um momento histórico-social de
valores contraditórios. Essa contradição infere-se, no
contexto, pela
falta de aproximação entre a menina e a senhora,
preocupada com as amigas.
receptividade da senhora para com os padres, mas
deselegante para com as beatas.
ironia do padre a respeito da senhora, que era
perversa com as crianças.
resistência da senhora em aceitar a liberdade dos
negros, evidenciada no final do texto.
rejeição aos criados por parte da senhora, que
preferia tratá-los com castigos.
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