Texto 1
O Morcego
Meia-noite. Ao meu quarto me recolho.
Meu Deus! E este morcego! E, agora, vede:
Na bruta ardência orgânica da sede,
Morde-me a goela ígneo e escaldante molho.
“Vou mandar levantar outra parede...”
Digo. Ergo-me a tremer. Fecho o ferrolho
Eolho o teto. E vejo-o ainda, igual a um olho,
Circularmente sobre a minha rede!
Pego de um pau. Esforços faço. Chego
A toca-lo. Minh’alma se concentra.
Que ventre produziu tão feio parto?!
A Consciência Humana é este morcego!
Por mais que a gente faça, à noite, ele entra
Imperceptivelmente em nosso quarto!
ANJOS, A. Obra Completa. Rio do Janeiro: Aguiar, 1994
Texto 2
Olugar-comumem que se converteu a imagem de um poeta
doentio, com o gosto do macabro e do horroroso, dificulta
que se veja, na obra de Augusto dos Anjos, o olhar clínico, o
comportamento analítico, até mesmo certa frieza, certa
impessoalidade científica.
CUNHA, F. Romantismo e modernidade na poesia. Rio de Janeiro:
Caátodra, 1988 (adaptado)
Em consonância com os comentários do texto 2 acerca da
poética de Augusto dos Anjos, o poema O morcego
apresenta-se, enquanto percepção do mundo, como forma
estética capaz de
(A) reencantar a vida pelo mistério com que os fatos banais
são revestidos na poesia.
(B) expressar o caráter doentio da sociedade moderna por
meio do gosto pelo macabro.
(C) representar realisticamente as dificuldades do cotidiano
sem associá-lo a reflexões de cunho existencial.
(D) abordar dilemas humanos universais a partir de um ponto
de vista distanciado e analítico acerca do cotidiano.
(E) conseguir a atenção do leitor pela inclusão de elementos
das histórias de horror e suspense na estrutura lírica da poesia.