A escola com que sempre sonhei sem imaginar que pudesse existir (título de um dos livros do
educador Rubem Alves) inspira o tema desta proposta de produção de texto.
Seguindo as instruções abaixo, escreva um texto dissertativo-argumentativo - com cerca de 25
linhas -, discorrendo sobre o que você considera ser a escola ideal. Seu texto deve, obrigatoriamente,
RESUMIR e COMENTAR alguma parte de pelo menos um dos textos da prova, seja para concordar
com ele ou para discordar de seu teor - acrescentando a devida referencialização. Além disso, pelo
menos uma frase de um dos textos da prova deve ser inserida em seu texto, também com a inclusão do
nome do seu autor. Dê um título ci ro ao seu texto.
Texto 1
A educação pelo ovo
José Castello
A educação não é um caminho em linha reta. Não deve ser confundida com a programação, ou a
habilitação. Não é um adestramento. Diante dela, a literatura se torna um terreno de resistência.
Encontro fortes exemplos disso em "Tempos de escola/ Contos, crônicas e memórias”, volume do selo
Boa Companhia (Companhia das Letras). Autores tão distintos quanto Olavo Bilac, Carlos Drummond de
Andrade, Sérgio Sant'Anna e Lima Barreto, entre outros, nos levam a encarar a educação não como um
processo lógico, resultado só da aplicação coerente de métodos próprios, mas, também, como uma
espécie de iluminação. Algo que se passa - ou não - dentro de cada um.
Começo pelos breves textos de Carlos Drummond. Em “A escola perfeita”, vários métodos
educacionais são experimentados. Primeiro, imagina-se a criação de uma Escola de Pais, em que as
famílias sejam adestradas na arte de adestrar os filhos. Não dá certo. A direção da escola decide deixar a
tarefa, então, nas mãos dos próprios filhos, mas isso também não funciona. Em uma solução híbrida,
imagina-se a criação de uma escola conjunta de pais e filhos, "sem programa definido”, mas mesmo o
incerto não produz resultado algum.
A resposta só aparece na criação de uma escola que imita a natureza, “uma escola natural de
coisas, em que tudo fosse objeto de curiosidade, sem currículo”. Surge assim uma Escola da Natureza,
“sem mestres, sem alunos, sem decreto, sem diploma, onde todos aprendem de todos”. A nova escola —
que anula a própria ideia de escola — é regida por dois princípios que, normalmente, excluímos do ensino:
a alegria e a falta de cerimônia. Só assim, abdicando do caráter reto para imitar a incoerência da vida, o
novo método funciona.
As palavras - Drummond nos alerta - têm um poder devastador que, em geral, desconsideramos.
Leia-se, agora, “Poder da etimologia”. O professor Nemésio explica à aluna Cacilda que, segundo as teses
de Zambaldi, seu nome quer dizer “a que combate com lança”. Antes uma menina doce, a revelação
transforma Cacilda em uma criança “suscetível e mesmo agressiva”. A família toma satisfações com o
mestre. Ele só consegue resolver o estrago quando nega sua própria afirmação. "Minha filha, isso de
etimologia é muito discutível, cada uma diz uma coisa”. Garante, então, que as teses tradicionais de
Zambaldi estão desacreditadas. “O verdadeiro significado do nome de uma pessoa é o que lhe confere a
pessoa que o tem”. Cada um é dono de seu próprio nome. Novamente de posse de si mesma, ela volta a
ser uma menina suave e gentil. É em nós mesmos, e não nos compêndios, que encontramos a origem de
nosso nome.
Em “Nova carta de ABC”, Olavo Bilac relata a história de um menino que encontra um método
invertido de alfabetização. Fascinado por cinema, ele aprende a ler sozinho decifrando os cartazes dos
filmes. “Todos nós aprendemos a ler indo da parte para o todo, começando pelas letras, passando às
silabas e acabando pelas palavras e frases”. Mas agora o garoto inverte o processo e parte das frases
prontas para, só depois, chegar às palavras e, enfim, às letras. “A paixão sempre opera milagres”.
Graças a sua paixão pelo cinema, o garoto criou seu próprio método, que funciona muito mais rápido que
o método tradicional. Mas que, provavelmente, só funciona para ele.
A história do menino desfaz um mito cultivado, com fervor, pela maioria dos educadores: o da
simplicidade e retidão. Escreve Bilac: "há criaturas que nascem complicadas, (...), não podendo
absolutamente compreender o que não é complicado”. Dá o exemplo extremo de um homem que só lê e
escreve em uma língua que apenas ele entende. Especifica: “os seus caracteres não são pictográficos,
nem ideográficos, nem chineses, nem cuneiformes”. A outro homem seria muito mais fácil aprender a
escrita comum, pelos processos comuns. "Mas há gente que só é capaz de fazer o que é difícil”. Tudo
depende, outra vez, da intuição.
No mais belo relato do livro, "A aula”, de Sérgio Sant'Anna, o ensino é visto como um propósito que
ultrapassa as forças humanas. Ao lidar com o aluno, o mestre deve primeiro encontrar sua própria
maneira de se aproximar dele. Para chegar a seu objetivo, um professor se vale de um ovo - simbolo da
absoluta perfeição e também da origem da vida - e de um cartaz publicitário que traz uma faixa de luz
dourada atravessando um fundo de trevas. Preparando-se para a aula, o mestre está desencorajado e
chega a ter vertigens. “E, mais do que morrer, teve medo de desabar diante de todos, caindo no
ridiculo”. Vai dar a aula inaugural do semestre. Dele esperam clareza e lucidez. Conseguirá?
É mal visto pelos colegas. Os acadêmicos o tomam como um “empírico”, um daqueles “que fazem
da imaginação e da fantasia uma realidade palpável”. Sua primeira frase anuncia o difícil caminho que
escolheu: “Tomemos como princípio o Caos”. Ele também pode ser chamado de informe ou
indiferenciado. Para chegar a esse objeto fluido, que está na origem de tudo, os métodos convencionais
já não prestam. Agarra-se o mestre, então, ao ovo, "a vida em sua forma mais primária e perfeita”.
Ilustra a aula com um ovo roubado de um sanduíche. Suas meditações a respeito desse núcleo primário
despertam as risadas dos alunos. A certo momento, como em um mantra, e imitando o Om, Om, Om dos
indianos, eles começam a repetir a palavra “ovo”, deixando o professor atordoado.
O mestre não se deixa abater. Apresenta, então, a tese paradoxal de que o Ovo Cósmico foi o
gerador “inclusive de Deus”. O elo perdido da origem humana seria, assim, essa origem circular, em que
o próprio criador é criado por seu objeto, em uma ruptura radical com a noção de tempo evolutivo. A
resposta é, portanto, um circulo e não há mais o que transmitir. Resta-lhe lançar o ovo no chão,
destruindo qualquer esperança de coerência. De uma forma ou outra, seu método intuitivo abriu uma
ferida no espírito de seus discípulos. O professor de Sant'Anna nos ajuda a pensar que a transmissão do
saber, muitas vezes, toma as formas mais imprevistas. É com o inesperado que o professor deve jogar,
ou estará apenas a repercutir velhas verdades e a massacrar com elas seus alunos.
(Texto publicado no suplemento "Prosa", do jornal O Globo, em 25/04/2015)
Se a memória não me atrapalha
Letícia Novaes
Tão engraçadas as convicções que carregamos pra vida. No colégio, sofrendo com aulas e metodologias
que já desconfiava que não valeriam muito futuramente, eu me lembro de aprender a fórmula de
Báskara e pensar até quando eu manteria aquilo para mim. Um dia meu pneu furou, olhei para o céu,
tentei emitir a fórmula, e esperar um gênio, só que não. Só que nunca.
Esqueci muito da escola, lembro os professores mais humanistas, os devaneios que inventava pra tentar
me manter sã naquele estabelecimento, mas o que me foi ensinado foi deletado ou enclausurado numa
parte do cérebro que desconheço. Duvido que algum dia surpreenda a todos numa mesa de bar com
algum comentário químico elaborado.
Maeana, amiga-artista-UFO, diz que “foi a falta de investimento no subjetivo que deixou a vida assim,
sisuda”. Enquanto os herdeiros tentam se achar no exterior, os sobreviventes cariocas tentam pagar um
aluguel carésimo, e, nessas horas, juro que me falta uma memória: por que não tive aula de economia
no colégio? Por que camuflam um assunto tão universal quanto nossas fezes? Por que raios não nos
explicam o que é dinheiro no colégio? E mais: por que não tive aulas de expressão corporal? Não que
educação física não fosse importante. Era, sempre foi: a prática do esporte coletivo, a competição, saber
perder, saber como se comportar ao ganhar, tudo muito maravilhoso. Mas eu e meu gigantismo
aceitariamos bem uma aulinha de corpo. E aposto que tantos outros jovens, os sem jeito e os com jeito,
adorariam. Num delírio bem forte também adoraria ter aula de astrologia, mas aí sei da polêmica além
que causaria. Se é pra sonhar com uma escola ideal, vou longe. [...]
(Trecho de artigo publicado no jornal O Globo, em 22/04/2015)