Texto
IV
Lugar mais bonito de um passarinho ficar é a palavra.
Nas minhas palavras ainda vivíamos meninos do mato,
um tonto e mim.
Eu vivia embaraçado nos meus escombros verbais.
O menino caminhava incluso em passarinhos.
E uma árvore progredia em ser Bernardo.
Ali até santos davam flor nas pedras.
Porque todos estávamos abrigados pelas palavras.
Usávamos todos uma linguagem de primavera.
Eu viajava com as palavras ao modo de um dicionário.
A gente bem quisera escutar o silêncio do orvalho
sobre as pedras.
[...]
Eu queria pegar com as mãos no corpo da manhã.
Porque eu achava que a visão fosse um ato poético
do ver.
[...]
Eu não queria ocupar o meu tempo usando palavras
bichadas de costumes.
Eu queria mesmo desver o mundo. Tipo assim: eu vi
um urubu dejetar nas vestes da manhã.
[...]
BARROS, Manoel de. Menino do mato. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2015. p.19-20.
Texto Il
19
Quando meu V6 morreu caiu em siléncio
concreto sobre nos.
Era uma barra de siléncio!
Eu perguntei entao a meu pai:
Pai, quando o V6 morreu a solidao ficou destampada?
Solidao destampada?
Como um pedaço de mosca no chao.
Não é uma solidão destampada?
BARROS, Manoel de. Menino do mato. Rio de Janeiro: Editora Objetiva, 2015. p.65.
A) Levando-se em conta que o poema IV integra a primeira parte da obra Menino do mato, explique, em
um parágrafo, como se pode interpretar o verso “Usávamos todos uma linguagem de primavera”, no
contexto deste poema.
B) O poema 19 integra a segunda parte da obra Menino do mato. Explique, em um parágrafo, o que
sugere a metáfora “solidão destampada”, no contexto deste poema.