As luzes do carrossel
[...] Eles muitas vezes ja tinham visto um carrossel, mas quase sempre o viam de longe, cercado de mistério,
cavalgados os seus rápidos ginetes por meninos ricos e choraminguentos. O Sem-Pernas já tinha mesmo (certo dia em que
penetrou num parque de diversões armado no Passeio Publico) chegado a comprar entrada para um, mas o guarda o expulsou
do recinto porque ele estava vestido de farrapos.
[...] - Quer ver uma coisa bonita?
Todos queriam. O sertanejo trepou no carrossel, deu corda na pianola e começou a música de uma valsa antiga. O
rosto sombrio de Volta Seca se abriu num sorriso. Espiava a pianola, espiava os meninos envoltos em alegria. Escutavam
religiosamente aquela música que saia do bojo do carrossel na magia da noite da cidade da Bahia só para os ouvidos
aventureiros e pobres dos Capitães da Areia. Todos estavam silenciosos. Um operário que vinha pela rua, vendo a
aglomeração de meninos na praça, veio para o lado deles. E ficou também parado, escutando a velha música. Então a luz da
lua se estendeu sobre todos, as estrelas brilharam ainda mais no céu, o mar ficou de todo manso (talvez que lemanja tivesse
vindo tambem ouvir a música) e a cidade era como que um grande carrossel onde giravam em invisíveis cavalos os Capitães
da Areia. Neste momento de música eles sentiram-se donos da cidade. E amaram-se uns aos outros, se sentiram irmãos
porque eram todos eles sem carinho e sem conforto e agora tinham o carinho e o conforto da musica. Volta Seca não pensava
com certeza em Lampião neste momento. Pedro Bala não pensava em ser um dia o chefe de todos os malandros da cidade. O
Sem-Pernas em se jogar no mar, onde os sonhos são todos belos. Porque a música saia do bojo do velho carrossel so para
eles e para o operário que parara. E era uma valsa velha e triste, ja esquecida por todos os homens da cidade.
AMADO, Jorge. Capitães da Areia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008.
No texto Il, do capitulo “As luzes do carrossel”, vê-se que o narrador emprega uma linguagem capaz de mostrar uma visão
diferenciada dos meninos, caracterizados, ao longo do romance, pela hostilidade e pela dureza.
a) Com relação ao tratamento dado aos meninos, no texto II, qual o efeito produzido pela linguagem do narrador?
b) Comprove com dois exemplos transcritos do texto.