“Canção para álbum de moça”:
Bom-dia: eu dizia à moça
que de longe me sorria.
Bom-dia: mas da distância
ela nem me respondia.
Em vão a fala dos olhos
e dos braços repetia
bom-dia à moça que estava
de noite como de dia
bem longe de meu poder
e de meu pobre bom-dia.
Bom-dia sempre: se acaso
a resposta vier fria
ou tarde vier, contudo
esperarei o bom-dia.
E sobre casas compacias
sobre o vale e a serrania
Irei repetindo manso
a qualquer hora: bom-dia.
Nem a moça põe reparo
não sente, não desconfia
o que há de carinho preso
no cerne deste bom-dia.
Bom dia: repito à tarde
a meia-noite: bom dia.
E de madrugada vou
pintando a cor de meu dia
que a moça possa encontrá-lo
azul e rosa: bom-dia.
Bom-dia: apenas um eco
na mata (mas quem diria)
decifra minha mensagem,
deseja bom o meu dia.
A moça, sorrindo ao longe
não sente, nessa alegria,
o que há de rude também
no clarão deste bom-dia.
De triste, túrbido, inquieto,
noite que se denuncia
e vai errante, sem fogos,
na mais louca nostalgia.
Ah, se um dia respondesses
Ao meu bom-dia: bom-dia!
Como a noite se mudara
no mais cristalino dia!
Considerando o poema acima e o livro de que ele é parte integrante — Claro Enigma (1951), de Carlos Drummond de
Andrade -, assinale a alternativa correta.
O poema apresenta a esperança de interação do eu-lírico com uma moça, sem deixar de lado os sentimentos
perturbadores que contrastam com a aparente alegria do emissor.
O poema em questão guarda semelhanças com outro poema do mesmo livro, “Tinha uma pedra no meio do caminho”, o
que se observa pela insistência num só tema e pela repetição dos versos.
A palavra “canção”, no título, e o repetido cumprimento “bom-dia” criam uma atmosfera de leveza e romantismo presente
também no poema “A mesa”, que descreve a rotina familiar.
Observa-se uma mudança na atitude do eu-lírico quando a moça responde a seu cumprimento: de triste e inquieto, passou
a se sentir alegre e túrbido pela resposta que transformou o seu dia.
A cotidianidade da vida moderna se mostra nesse diálogo marcado pelo ritmo frenético dos versos futuristas e pela
velocidade do eu-lírico que se desloca por um cenário urbano.