Uma tarde em que a fome e a fadiga o tinham prostrado, viu dentre umas touceiras de taquara onde se
recolhera para cobrar ânimo, um cavaleiro que, havendo atravessado o rio, de força tinha de passar a poucos
passos dele, em um cotovelo formado pela picada.
O cavaleiro era um velho e parecia-se mais com uma múmia do que com um ente vivo.
Tinha a pele grudada nos ossos, e seu corpo apresentava ângulos e retas de dureza escultural.
[...]
“Este velho, pensou o Cabeleira, traz pelo menos farinha nos caçuás. Vou tomar-lhe para mim, e se ele não
quiser entregar-me a sua carga, corto-lhe a garganta.”
Empunhou o pedaço da faca, única arma que lhe restava do terrível cangaço de outrora, e quando o velho
confrontou com ele, saltou-lhe ao cabresto do cavalo. Este parou de muito boa vontade, enquanto seu dono,
sem se mostrar aterrado nem sobressaltado, disse ao bandido:
— Guarde-o Deus, meu senhor — saudação que até bem pouco tempo se ouvia no sertão.
Quando estava para fazer a terrível intimação, sentiu o Cabeleira faltar-lhe força para suster o cabresto,
tremeram-lhe as pernas, vacilaram-lhe os pés. Seus olhos tinham dado com a imagem de Luísa, de joelhos na
beira do caminho com as mãos postas, os olhos suplicantes, tristes, e chorosos, voltados para ele. Pareceu-
lhe até ouvir as seguintes palavras:
— Não o mates, Cabeleira.
(TÁVORA, F. O Cabeleira. São Paulo: Martin Claret, 2003. p.160-161.)
Com base na cena reproduzida no fragmento, aponte os elementos que aproximam e os que afastam Cabeleira
do perfil de uma personagem romântica.