Leia o texto abaixo.
Morreu Amy Winehouse e os moralistas de serviço já começaram a aparecer. Como abutres que são. Não há artigo,
reportagem ou mero obituário que não fale de Winehouse com condescendência e piedade. Alguns, com tom professoral, falam
dos riscos do álcool e da droga e dão o salto lógico, ou ilógico, para certas políticas públicas.
Amy Winehouse é, consoante o gosto, um argumento a favor da criminalização das drogas; ou, então, um argumento a
favor de uma legalização controlada, com o drogado a ser visto como doente e encaminhado para a clínica respectiva. O sermão é
hipócrita e, além disso, abusivo.
Começa por ser hipócrita porque este tom de lamentação e responsabilidade não existia quando Amy Winehouse estava
viva e, digamos, ativa. Pelo contrái quanto mais decadente, melhor; quanto mais drogada, melhor; quanto mais alcoolizada,
melhor. Não havia jornal ou televisão que, confrontado com as imagens conhecidas de Winehouse em versão zoombie, não
derramasse admiração pela 'rebeldia' de Amy, disposta a viver até o limite.
Amy não era, como se lê agora, uma pobre alma afogada em drogas e bebida. Era alguém que criava as suas próprias
regras, mostrando o dedo, ou coisa pior, para as decadentes instituições burguesas que a tentavam "civilizar". E quando o pai da
cantora veio a público implorar para que parassem de comprar os seus discos — raciocínio do homem: era o excesso de dinheiro
que alimentava o excesso de vícios — toda a gente riu e o circo seguiu em frente. Os moralistas de hoje são os mesmos que riram
do moralista de ontem.
Mas o tom é abusivo porque questiono, sinceramente, se deve a sociedade impor limites à autodestruição de um ser
humano. A pergunta é velha e John Stuart Mill, um dos grandes filósofos liberais do século 19, respondeu a ela de forma
inultrapassável: se não há dano para terceiros, o indivíduo deve ser soberano nas suas ações e na consequência das suas ações.
Bem dito. Mas não é preciso perder tempo com filosofias. Melhor ler as letras das canções de Amy Winehouse, onde está todo um
programa: uma autodestruição consciente, que não tolera paternalismos de qualquer espécie.
O tema "Rehab", aliás, pode ser musicalmente nulo (opinião pessoal) mas é de uma honestidade libertária que chega a ser
tocante: reabilitação para o vício? Não, não e não, diz ela. Três vezes não.
Respeito a atitude. E, relembrando um velho livro de Theodore Dalrymple sobre a natureza da adição (Junk Medicine:
Doctors, Lies and the Addiction Bureaucracy), começa a ser hora de olhar para o consumidor de drogas como um agente
autônomo, que optou autonomamente pelo seu vício particular — e, em muitos casos, pela sua destruição particular.
(PEREIRA COUTINHO, João. “Sermão ao Cadáver”, www-folhaonline.com.br — acesso 25 jul 2011.)
A sociedade deve impor limites à autodestruição de um ser humano? Num texto de 10 a 12 linhas, discuta essa questão,
ponderando a respeito da descriminalização das drogas. Seu texto deverá levar em consideração a argumentação de
Coutinho.